terça-feira, 11 de março de 2014

"A PEDAGOGIA DOS ANOS 80"

Texto trabalhado durante as reuniões com os pais dos alunos do Ensino Médio do Colégio Nossa Senhora das Dores.

“Eu te conserto nem que seja na pancada.” Se esta frase em alguma oportunidade de sua infância foi dirigida a você, parabéns! Você teve pais que se importavam com o seu futuro. Contrário ao que a mídia contemporânea pretende nos fazer crer, a criação dos filhos nos anos 70/80 não era sinônimo de violência e sim de um “amor maior que o mundo”. Aquele que nos preenche e sempre traz à tona lições aprendidas no passado.

“Veto à palmada” defendem os parlamentares. “Eu chamo o Conselho Tutelar”, ameaçam as crianças. “O Estatuto de Criança e do Adolescente não permite que eu seja punido”, bradam os adolescentes. Que futuro é esse? - pergunto eu. Não se pretende aqui defender o espancamento de qualquer infante. Na realidade o que se questiona é onde foi parar a autoridade dos pais em pleno século XXI? Importantes valores aprendidos no seio familiar algumas décadas atrás parecem estar simplesmente sendo substituídos pela completa ausência de limites.

Com frases como “se você e seu irmão pretendem se matar, podem rachar fora que acabei de encerar a casa” nos chamavam atenção desde a infância para a necessidade de respeitarmos o trabalho do próximo e a valorizar o resultado de nossos esforços no futuro.

McDonald’s e Bob’s que nada. Era arroz, feijão, verdura e, quando o dinheiro dava, um pedaço de carne. Sanduíche só uma vez por mês e precisava merecer. Refrigerante? Apenas aos domingos, quando a família se reunia para almoçar. E se reclamasse da disciplina da alimentação saudável, a resposta era simples: “Fecha a boca e come tudo. Não vai levantar enquanto não terminar”. Parece crueldade? Ninguém ficou doente ou traumatizado por causa disso. Na realidade aprendemos a nos alimentar corretamente e colocar no prato apenas a quantidade que vamos consumir.

Fugindo à regra da alimentação saudável, esta semana dei uma passada em tradicional lanchonete da rua São Benedito para comer uma “coxinha de frango com catupiry”. Uma verdadeira delícia perturbada por uma criança que dava birra, gritava, esperneava e chorava sem parar porque queria um refrigerante gelado e a mãe dizia que ela não podia por causa da garganta. A mãe se deu por vencida e entregou o guaraná gelado para o filho mal educado, reforçando assim a quem pertence o comando nas relações familiares. Outrora, bastava um olhar. Se não desse resultado, logo se ouvia: “Continua chorando que vou te dar um bom motivo pra chorar. Quando chegarmos em casa acertamos as contas”. Nesse momento a paz era imediatamente restabelecida.

Ir à missa era outra prática comum. Todos os domingos precisávamos acordar cedo para agradecer a Deus pelas bênçãos da semana que findou e pedir proteção para a semana que se iniciava. Aliás, a fé era algo que se aprendia a cada nova “arte” que “inocentemente” praticávamos: “É melhor você já ir rezando pra essa mancha do seu uniforme sair”. Os minutos ou horas que se seguiam pareciam nos remeter ao cinema. Ficávamos todos “a espera de um milagre”.

E por falar em bênção, esta palavra não se limitava aos atos de fé. Constituía também um gesto de respeito para com os mais velhos. Avós, pais, tios. Esse era o cumprimento de uma criança ou adolescente, mas se estendia aos adultos, uma prática de “etiqueta” indispensável ao bom convívio familiar: “Vai tomar bênção da sua avó ou piso no seu pescoço”.
O respeito das crianças alcançava inclusive a conversa dos adultos. Nada de interrupções. Em caso de um pequeno deslize bastava um olhar do pai ou da mãe que o “recado” estava dado.

A hierarquia doméstica também era regra clara. Quantos pedidos nós tivemos recusados e o questionamento da motivação pela negativa era respondido simplesmente com: “Porque eu disse que não pode. Ponto final”. Aprendíamos assim a não questionar o tempo todos as ações que nossos pais praticavam, afinal o objetivo era apenas um: o nosso bem-estar.

É claro que como todo “rebelde sem causa” tínhamos nossos momentos de frustração que por vezes resultava em uma má resposta aos nossos genitores. A hierarquia não era ameaçada por esses pequenos gestos de “insurreição”: “Me responde de novo e eu te arrebento os dentes”. Sempre preferi preservar o meu sorriso. Jamais me arriscaria a ficar “banguelo”!!!

Visitar um parente ou amigo da família era sempre uma “situação de risco”. A preparação começava pelo menos uma semana antes. Era preciso cuidado com as roupas, calçado, cabelo, unhas, mas principalmente com o comportamento. A orientação prévia era extensa e incluía o veto a aceitar qualquer bebida e alimento sem antes ser autorizado pelos pais. E, ainda, “nada de pegar fogo com o filho dos outros senão te parto ao meio”. Era aquilo que no “Kardecismo” se chama disciplina.
Vez por outra acabávamos tomando uma boa surra, é verdade. Mas nada que nos deixasse traumatizados ou depressivos. Ao contrário, a advertência valia por toda uma vida. Bom motivo para uma “tunda” era, por exemplo, aparecer em casa com algum “objeto novo”. A mãe queria sempre saber a origem e isso incluía uma visita ao local/pessoa de onde teria saído o mesmo. Caso a “transação” não fosse “lícita”, como trocar uma lapiseira por uma caneta sem autorização dos pais, “o chinelo comia”.
Aprendemos assim a ter respeito pelo patrimônio alheio.

Desculpem-me aqueles que acreditam ser esta uma pedagogia ultrapassada, equivocada e sem valor. É claro que existem novas técnicas, que também são bem-vindas. Mas é fato que as coisas mudaram e foi para pior. Os pais mostram-se impotentes diante de crianças e adolescentes cada vez mais agressivos e sem limites. Os infantes falam alto, não respeitam ninguém e sentem desprezo pelas regras e convenções sociais.

Se um futuro melhor é aquele em que crianças são ensinadas e incentivadas a um processo de erotização precoce; usam roupas, maquiagens e praticam danças inadequadas para a idade; aos dez anos já se tornam mães e tudo o que fazem é considerado “bonitinho” e “normal” pelos pais, graças a Deus nasci no momento certo: integro talvez a última geração educada não pela palmada, mas pelo amor incondicional dos pais, que mesmo com todo o rigor empregado em nossa formação deixaram-nos um legado de carinho, boas lembranças e condições de sobreviver em um mundo que se torna a cada dia mais inóspito.

Por  François Ramos - redator interino

Fonte: Jornal da Manhã 24/01/14

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